deixa que eu conto

Bloqueada. Como a veia aorta entupida antes de um enfarto. Como um pulmão em dia de crise asmática.
Deparava-se com aquelas paredes brancas intranspassáveis, com um mundo, sopa de letrinhas. A irritação era uma pastilha efervescente em sua alma, corroendo todos os pensamentos que poderiam servir de inspiração, até cólicas, daqueles nós indissolúveis, havia sentido.
E não via sentido em coisa alguma, tudo um grande mar parado, aquele quadro no qual a tempestade se encontra longe do barquinho. Sua vida, um mar de rosas, sem nenhum tufão, tubarão ou jacaré para atazanar a alma. Nada, absolutamente nada.
Apenas aquele barulhinho de pastilha se dissolvendo dentro dela, aquele shhiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, que não tinha fim.
Tremia ossos, pés, dentes, cabelos. Não conseguia se concentrar, a perna, um ataque epilético. Os olhos não paravam um segundo num mesmo lugar, um turbilhão de nada acontecendo por dentro, um terremoto interno, revirando estomago, rins e intestino.
Visualizava apenas o muro branco sendo tomando por uma inundação de letras e números, sem sentido, apenas formigas preenchendo o vazio, não deixando um espaço.
Queria ser pequena como as formigas, não ter um sistema nervoso tão desenvolvido, sem renite, sinusite, artrose. Queria cortar os conectores, desligar-se. Um mosquito prestes a ser esmagado pela grande mão divina.
Resolveu que tudo aquilo, inclusive o muro, era culpa da tiróide super ativa. Responsável por seus hormônios em baixa, descontrolados.
Descontrolada e bloqueada. Não conseguia alcançar o topo do muro, e não era forte o suficiente para escalá-lo, resolveu então marcar um endocrinologista.
O bla bla bla do médico a convenceu que era necessário controlar sua glândula o resto da vida com remédios incrivelmente caros e cheios de efeitos colaterais.
Passou semanas se drogando e nada da irritação passar. A angustia era tanta que aprendeu a rezar pra pedir calma na hora de dormir. Nada adiantava.
Passou a correr todos os dias na praia, a fazer hora extra no trabalho, faxina na casa, aprender alemão. E nenhuma das atividades acalmava o shiiiiiiiiiii dentro dela.
Um belo dia, resolveu dar com cabeça no muro, assim mesmo, com toda força, ver se o muro era raiz de seus problemas. Saiu correndo de dentro de si e estatelou-se contra aquela parede imponentemente branca.
Nada ali, nem letra, nem sangue.Uma zomzeira apenas, de quem acaba de bater a cabeça. O muro continuou ali da mesma forma, nem um abalo sísmico no muro. Cansada de todas as atividades que requeriam força mental ou não, resolveu ligar a TV era a única solução.


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